Ter Depressão



Cansaço

 « Ando e não caminho para lado nenhum. Na minha cabeça, percorro o passeio descalça, curvada, o olhar perdido nas letras luminosas do teclado do meu telemóvel.

  Como sombras impiedosas da minha própria dor e cansaço, os polegares opostos com que apenas o ser humano foi abençoado vão dando forma ao turbilhão de pensamentos que não me sai da cabeça. Tenho a respiração lenta, os olhos secos, os sons do mundo são ruídos de fundo, mal vejo o que vem à frente. A passar pelos outros transeuntes, notarão eles sequer na minha figura desgrenhada?

  Sob a luminosidade amarelada e fria das luzes da cidade - que se apagam e acendem à minha passagem - observo a vida que decorre à minha volta e não consigo parar de notar no quão invisível somos. 

  A insignificância do ser enquanto damos tanta importância ao nosso mini multi-universo deixa-me de rastos, sem vontade de seguir em frente.

  E, à medida que a noite cai, vou ficando com os pés cada vez mais pesados.

  De arrasto, ando e não caminho para lado nenhum.

  Suspiro pela raiva que criaram em mim. Quero ligar a mil pessoas, falar com alguém e não falar com ninguém em especial, ouvir só a sua voz para me sentir aqui, presente, existente. Porque os aterradores pesadelos de fumo incerto que correm no meu encalço estão cada vez mais perto de me apanhar e se embrenharem nos meus olhos, forçando-os a abrir para o real, do qual eu tanto me quero esconder.

  Deambulante, ando lentamente e não caminho para lado nenhum.

  Já não sou eu, perdi-me nos entretantos. Perdi-me naquilo que fizeram de mim. Pintaram-me de tantos tons diferentes, apagaram traços e distorceram a própria imagem que eu vejo no espelho ao acordar. Quero insurgir-me, gritar a plenos pulmões, espernear e dar sentido à existência, mas a minha voz ficou perdida no eco da opinião das palavras dos demais, ou mesmo nos olhares silenciosos que vêm de fora.

  Não sei o porquê de nada. Não entendo o dia a dia, viajo às cegas na corda bamba do destino. Dava tudo para perceber o amanhã.

  Parada, estática, perscruto o horizonte e permito-me permanecer jarra partida espalhada pelo chão.

  Até porque, quando andava, caminhava para nenhures. »


Sherlock Holmes

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